segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Santiago



Brasil, 2007
Direção: João Moreira Salles

João filmou este documentário em 1992 e somente hoje, quase 15 anos depois, conseguiu concluir sua montagem. Não por falta de verbas ou qualquer outro problema que todos que trabalham com cinema no Brasil já conhece, mas por motivos pessoais, uma vez que este documentário é o exemplo máximo do chamado cinema de autor.

João abre sua intimidade e coração para contar através de "Santiago" um pouco da história de sua família ao mesmo tempo que escancara seu processo de trabalho na desconstrução deste personagem tão cativante e exótico que era seu mordomo. Trata-se do filme dentro do filme, um exercício de metalinguagem maravilhoso realizado por um dos nossos melhores documentaristas.
O filme fotografado em preto e branco conta a história do mordomo da famíla Salles, que esteve com eles por 30 anos. Trata-se de um ser especial, que vivia em seu próprio mundo. Poliglota e super culto, Santiago era capaz de falar sobre qualquer assunto. Vivendo de forma solitária, dizia nunca estar sozinho pois seus personagens sempre conversavam com ele. Os personagens das histórias e estudos que ele escreveu durante toda sua vida e que repousavam ao lado de sua cama em uma estante simples cheia de calhamaços de papel.

João desprende-se de qualquer vaidade ao abrir a porta de sua casa para o espectador. A narração realizada por um de seus irmãos nos confere um certo ar de intimidade com esta família tão importante do cenário nacional. Admite seu arrependimento ao perceber que todos os planos filmados em 1992 eram planos abertos, não existe nenhum close, o que resultou em um certo distanciamento do personagem retratado. Apesar de ser o diretor, só ouvimos a voz de sua assistente e em alguns momentos, até de forma ríspida e grosseira. Com isso, João conclue que apesar da tentativa de mostrar a intimidade de Santiago, a relação deles nunca deixou de ser a de patrão e empregado. Ele lamenta.

"Santiago" vale o filme. A sinceridade com que João conduz o documentário e o texto da narração comove. Um homem que não teve vergonha de escancarar seus medos e arrependimentos. O processo de construção do documentário, as vezes parecido até com um making off, caiu como uma luva as pretensões de Salles. Os momentos vazios captados, aqueles em que a câmera está ligada, mas ainda não foi dada a ordem de ação, mostra a sensibilidade de seu autor à flor da pele. Difícil não emocionar-se e ser cativado por esta obra.

A comparação com um outro belo documentário torna-se inevitável: "Estamira". Além de ambos serem fotografados em preto e branco, os personagens riquíssimos conduzem a película. Porém, na minha humilde opinião, "Santiago" tem muito mais vida com a entrega total de João Salles sem pudores e sem arrependimentos. Com certeza um dos filmes do ano.





Um comentário:

  1. Que filme!!
    Vc já viu "Viagem a Toquio", de Yasujiro Ozu? O João cita ele no final de "Santiago" como referencia para fotografia e posicionamento da camera. Belissimo, é tb o filme homenageado naquele "hanami- cerejeiras em flor", que vimos na Mostra. Nada muito a ver, mas é que me lembrei dessas associaçoes! rss
    abçao
    PS: filme delicioso de ser visto, tb do Ozu, é o "Bom dia". Não deixe de ver!

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resmunga ai