sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Camelos Também Choram



ALEMANHA/MONGÓLIA, 2004
DIREÇÃO: BYAMBASUREN DAVAA e LUIGI FALORNI

É primavera no Deserto de Gobi na Mongólia. Hora das camelas darem à luz. Uma família de nômades que vive no deserto cria seus animais com muito respeito e afeto. Uma das camelas tem um parto complicado, sendo necessário que haja intervenção de seus criadores para ajudá-la. Após muito esforço, nasce um raro camelinho albino, o qual a mãe passa a rejeitar.

Os diretores foram a Mongólia esperando captar um ritual musical feito para convencer mães camelos que rejeitam os filhotes a aceitá-los. E eis que a sorte bate à porta, proporcionando esta estória maravilhosa com o nascimento de um camelo raro. Lugar certo , na hora certa. E vamos rodar!!!

Preocupados com a rejeição da mãe e o futuro do filhote, os pastores tentam em vão induzir a mãe a aceitar seu filho. Pobre camelinho... É agonizante acompanhar suas frustadas tentativas de aproximar-se da mãe para se alimentar. Enquanto isso, entramos no cotidiano da família de pastores que nos mostram o quão são felizes com tão pouco. São três gerações vivendo harmoniosamente e sem conflitos. Aliás, uma lição seu modo de vida. Simples, sem luxo, mas felizes. Tá certo que o pequeno Ugna gostaria muito de ter uma televisão, mas compreende as dificuldades. Todos discutem juntos as decisões, e os pequenos tem sim voz ativa, mostrando mais uma vez como podemos facilitar as coisas.

Conformados de que precisam mudar de estratégia para o filhote ser aceito, a família envia duas de suas crianças a cidade para buscarem um professor de música, que através de um ritual musical tentará fazer com que a mãe aceite seu filhote. As crianças que partem nesta jornada devem ter 13 e 6 anos, se não for menos. O pequeno Ugna diz que quer ir para a cidade e convence os mais velhos de lhe dar permissão. Não foi preciso muito esforço contudo. Confiança se adquire desde pequeno. Durante o caminho eles param em tendas de conhecidos para se alimentar, conversar e sempre são muito bem recebidos, como se fossem todos uma grande família. Nestas paradas, Ugna mostra seu encanto com a televisão e em uma das melhores passagens do filme Ugna questiona o irmão mais velho: - Papai podia comprar uma têve... Deve custar pelo menos umas vinte ovelhas rebate o irmão. - Temos muitas ovelhas diz Ugna. E o irmão encerra o assunto falando que para sustentar a eletricidade precisariam de todo o rebanho. Muito bom rs.

O Músico chega a comunidade e começa o ritual. Durante alguns minutos a bela música acompanhada da voz da mãe de Ugna emociona. Não só a camela que começa a chorar , mas também a mim e acredito que muita gente tenha chorado nesta sequência. Quando a camela começa a chorar, eles aproximam o filhote da mãe, que finalmente passa a aceitá-lo. Não me pergunte como, são destas coisas que não tem explicação. Como se a música fosse literalmente mágica. E naquele momento realmente foi.

E pensar que este foi o trabalho de conclusão de curso do diretor alemão. Foi inclusive indicado ao oscar de melhor documentário de 2005. Enfim, um belo fime, com personagens reais, muito simpáticos por sinal, e que em 90 minutos, nos fazem repensar como levamos a vida. Ao entrar na sala para assistir este filme, deixe o mundo exterior e desligue-se. Mergulhe no deserto e tente usufruir de todas as lições que o filme oferece. Esta tudo lá. Só depende de cada um. As coisas simples da vida ..... Quando menos, é mais!!!!

ps: Ugna tem uma surpresa no final.



Postado originalmente em 12/08/2005

Bom Dia, Noite



ITÁLIA, 2003
DIREÇÃO: MARCO BELLOCCHIO

Bom Dia , Noite conta a história verídica do sequestro e assassinato do primeiro ministro italiano Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas em 1978. Nascido oficialmente em Outubro de 1970, o grupo apresentava o movimento como uma rede político-militar cujo objetivo era responder com violência à opressão exercida pelo governo sobre as massas proletárias.

No dia 16 de Março de 1978, as Brigadas Vermelhas realizaram sua ação mais radical sequestrando Aldo Moro, presidente da Democracia Cristã. Principal articulador do compromisso histórico entre a direita e o Partido Comunista, Moro representava aos seus olhos, o símbolo de uma coalizão insuportável entre as forças reacionárias e os representantes do proletariado.

O sequestro é revisto pela personagem fictícia Chiara, aparentemente uma jovem normal que vive com o marido e trabalha em uma biblioteca,mas na verdade se engaja com o movimento do grupo de esquerda. Chiara é filha de pais socialistas. No decorrer da trama, as negociações para que Aldo Moro seja libertado não avançam, a tensão vai aumentando e Chiara começa a questionar se o que esta fazendo é o certo. Em várias passagens ela parece estar arrependida e confusa. Tive até a impressão de que talvez ela idolatrasse Aldo Moro em seus delírios.

Delírios estes que são muito bem demonstrados com a força da canção " The Great Gip in the Sky" do Pink Floyd, que segundo o diretor simboliza revolta e desespero. Escolha perfeita.

Chiara ao se dar conta de que o fim trágico seria inevitável começa a imaginar-se tentando ajudar Moro a se libertar e argumenta com seus companheiros se aquela seria realmente a solução. Em dado momento um deles diz que até a mãe mataria se necessário.

Trata-se de um filme forte, que conta uma história verídica através de uma personagem fictícia, talvez até por isso , o diretor abuse dos delírios e metáforas que Chiara nos passa.

O sequestro de Aldo Moro durou de 16 de Março a 9 de Maio de 1978. Nesses 55 dias, ele escreveu 80 cartas, à sua esposa, aos filhos, a companheiros da Democracia Cristã e ao Papa Paulo VI. Publicarei sua última carta a esposa. No dia 9 de Maio de 1978, Aldo Moro foi encontrado assassinado.

O peso terrível da história com a poesia do cinema, fazem de "Bom Dia, Noite", um grande filme cheio de sensibilidade, daqueles que você leva um tempo pra se levantar e ainda o leva para casa em seus pensamentos. Muito bom para quem gosta de política e essencial para quem gosta de cinema.

80a e última carta: à Eleonora Moro, esposa (entregue no dia 5 de maio de 78)

Minha doce Noretta,
Após um momento de ligeiro otimismo, talvez por causa de um equívoco meu, chegamos agora, creio, a um momento conclusivo. Não é o momento de discutir o problema em si nem o inacreditável que é esta pena que recai sobre a minha indulgência e moderação. É verdade que errei, visando o bem, ao definir o caminho da minha vida. Mas agora não se pode mudar mais nada. Só me resta reconhecer que você tinha razão.
Que fique bem clara a plena responsabilidade da DC, com seu comportamento absurdo e inacreditável. Isso deve ser dito com firmeza, assim como se deve refutar qualquer eventual medalha que se queira dar a este caso. É verdade que muitos amigos (que não saberia nomear) ou enganados pela idéia de que falar de mim lhes prejudicaria ou preocupados com suas posições pessoais, não se mexeram como deveriam. Apenas umas cem assinaturas teriam forçado o governo a negociar.

Mas tudo isso já é passado. Para o futuro, neste momento, sinto apenas um carinho infinito por ti e a lembrança de todos e cada um de vocês, um amor grande, grande cheio de lembranças aparentemente insignificantes mas na verdade preciosas. Unidos na minha memória, vocês vivem juntos. Gostaria de estar entre vocês.

Por caridade, vivam todos numa única casa, inclusive a Emma se for possível e convoquem os bons e caros amigos, a quem tanto agradeço, caso vocês necessitem. Beija e acaricia todos por mim, rosto por rosto, olho por olho, cabelo por cabelo. A cada um, o meu imenso carinho que passa pelas tuas mãos. Seja forte, minha querida, nesta prova absurda e incompreensível.

Estamos nos caminhos do Senhor. Mande lembranças a todos os parentes e amigos com imenso afeto e a ti e a todos um caloroso abraço cheio de amor eterno. Quero entender, com meus pequenos olhos mortais, como a gente vai fazer para se ver de novo algum dia. Se fosse tudo luz, seria belíssimo.

Meu amor, sinta-me sempre contigo e aperta-me forte. Beija e acaricia a Fida, Demi, Luca (tanto, tanto o Luca), Anna, Mario, o neném ainda não nascido, Agnese, Giovanni. Sou tão grato por tudo o que fizeram.
Tudo é inútil quando não se pode abrir a porta.
O Papa fez muito pouco: talvez um dia se arrependa.
(a carta não estava assinada)




Postado originalmente em 12/08/2005