sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Bom Dia, Noite



ITÁLIA, 2003
DIREÇÃO: MARCO BELLOCCHIO

Bom Dia , Noite conta a história verídica do sequestro e assassinato do primeiro ministro italiano Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas em 1978. Nascido oficialmente em Outubro de 1970, o grupo apresentava o movimento como uma rede político-militar cujo objetivo era responder com violência à opressão exercida pelo governo sobre as massas proletárias.

No dia 16 de Março de 1978, as Brigadas Vermelhas realizaram sua ação mais radical sequestrando Aldo Moro, presidente da Democracia Cristã. Principal articulador do compromisso histórico entre a direita e o Partido Comunista, Moro representava aos seus olhos, o símbolo de uma coalizão insuportável entre as forças reacionárias e os representantes do proletariado.

O sequestro é revisto pela personagem fictícia Chiara, aparentemente uma jovem normal que vive com o marido e trabalha em uma biblioteca,mas na verdade se engaja com o movimento do grupo de esquerda. Chiara é filha de pais socialistas. No decorrer da trama, as negociações para que Aldo Moro seja libertado não avançam, a tensão vai aumentando e Chiara começa a questionar se o que esta fazendo é o certo. Em várias passagens ela parece estar arrependida e confusa. Tive até a impressão de que talvez ela idolatrasse Aldo Moro em seus delírios.

Delírios estes que são muito bem demonstrados com a força da canção " The Great Gip in the Sky" do Pink Floyd, que segundo o diretor simboliza revolta e desespero. Escolha perfeita.

Chiara ao se dar conta de que o fim trágico seria inevitável começa a imaginar-se tentando ajudar Moro a se libertar e argumenta com seus companheiros se aquela seria realmente a solução. Em dado momento um deles diz que até a mãe mataria se necessário.

Trata-se de um filme forte, que conta uma história verídica através de uma personagem fictícia, talvez até por isso , o diretor abuse dos delírios e metáforas que Chiara nos passa.

O sequestro de Aldo Moro durou de 16 de Março a 9 de Maio de 1978. Nesses 55 dias, ele escreveu 80 cartas, à sua esposa, aos filhos, a companheiros da Democracia Cristã e ao Papa Paulo VI. Publicarei sua última carta a esposa. No dia 9 de Maio de 1978, Aldo Moro foi encontrado assassinado.

O peso terrível da história com a poesia do cinema, fazem de "Bom Dia, Noite", um grande filme cheio de sensibilidade, daqueles que você leva um tempo pra se levantar e ainda o leva para casa em seus pensamentos. Muito bom para quem gosta de política e essencial para quem gosta de cinema.

80a e última carta: à Eleonora Moro, esposa (entregue no dia 5 de maio de 78)

Minha doce Noretta,
Após um momento de ligeiro otimismo, talvez por causa de um equívoco meu, chegamos agora, creio, a um momento conclusivo. Não é o momento de discutir o problema em si nem o inacreditável que é esta pena que recai sobre a minha indulgência e moderação. É verdade que errei, visando o bem, ao definir o caminho da minha vida. Mas agora não se pode mudar mais nada. Só me resta reconhecer que você tinha razão.
Que fique bem clara a plena responsabilidade da DC, com seu comportamento absurdo e inacreditável. Isso deve ser dito com firmeza, assim como se deve refutar qualquer eventual medalha que se queira dar a este caso. É verdade que muitos amigos (que não saberia nomear) ou enganados pela idéia de que falar de mim lhes prejudicaria ou preocupados com suas posições pessoais, não se mexeram como deveriam. Apenas umas cem assinaturas teriam forçado o governo a negociar.

Mas tudo isso já é passado. Para o futuro, neste momento, sinto apenas um carinho infinito por ti e a lembrança de todos e cada um de vocês, um amor grande, grande cheio de lembranças aparentemente insignificantes mas na verdade preciosas. Unidos na minha memória, vocês vivem juntos. Gostaria de estar entre vocês.

Por caridade, vivam todos numa única casa, inclusive a Emma se for possível e convoquem os bons e caros amigos, a quem tanto agradeço, caso vocês necessitem. Beija e acaricia todos por mim, rosto por rosto, olho por olho, cabelo por cabelo. A cada um, o meu imenso carinho que passa pelas tuas mãos. Seja forte, minha querida, nesta prova absurda e incompreensível.

Estamos nos caminhos do Senhor. Mande lembranças a todos os parentes e amigos com imenso afeto e a ti e a todos um caloroso abraço cheio de amor eterno. Quero entender, com meus pequenos olhos mortais, como a gente vai fazer para se ver de novo algum dia. Se fosse tudo luz, seria belíssimo.

Meu amor, sinta-me sempre contigo e aperta-me forte. Beija e acaricia a Fida, Demi, Luca (tanto, tanto o Luca), Anna, Mario, o neném ainda não nascido, Agnese, Giovanni. Sou tão grato por tudo o que fizeram.
Tudo é inútil quando não se pode abrir a porta.
O Papa fez muito pouco: talvez um dia se arrependa.
(a carta não estava assinada)




Postado originalmente em 12/08/2005

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