Agora que o Blog está mais democrático, com espaço para todas as manifestações artistícas, abro espaço para uma outra paixão deste Cinemadicto que vos escreve: A Poesia.
E para começar o ano com pé direito, nada melhor do que dois belos poemas de dois mestres das letras: Primeiro, Ferreira Gullar, com um trecho de "Marinheiro" do livro "Um Pouco Acima do Chão" de 1949.
O 2° poema é "Deste Modo ou Daquele Modo" de Alberto Caeiro, um dos heterônimos do mestre Fernando Pessoa, poema este que de certa maneira, diz muito sobre a minha própria pessoa. Deleitem-se.
Marinheiro - trecho
" Tudo que é triste,
tudo que é bom,
tudo que é belo,
tudo que existe,
tudo que sonhas
poder olhar;
todas as cousas
estão no mar:
barcos fantasmas,
velhas galeras
jazem tristonhas
sobre as areias,
dormindo cheias
de ouro e de prata;
por suas salas
passeiam peixes
entre piratas,
- homens-fantasmas-
que, embebedados,
cantam cantigas
e bebem rum;
tristes escunas
de velas rotas,
mastros quebrados
só de acenar
para a lembrança
do último porto
- tristes escunas
de casco roto
só de chorar!...
(e o marinheiro
ouvia absorto)
"Tudo que é morto
vive no mar!...
Crianças mortas
de olho de pérola
boquinha de âmbar,
como a sonhar,
arrumam búzios,
conchas, estrelas,
pedrinhas brancas
cor de luar.
Deusas formosas
de claros braços,
cabelos de algas,
ventre de espuma,
líquido olhar
- dançam frementes,
bulindo os seios,
gingando o ventre
para Netuno
se deleitar.
Vênus perfeitas
como a de Milo,
que não desejam
sair do mar ...
Ferreira Gullar
--------------------------------
Deste Modo ou Daquele Modo
Deste modo ou daquele modo.
Conforme calha ou não calha.
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à idéia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza,
nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos.
Alberto Caeiro
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
resmunga ai