sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O MOINHO E A CRUZ


Suécia/Polônia, 2010
Direção: Lech Majewski

O filme recria a pintura épica de Pieter Brugel "A Procissão para o Calvário" de 1654. No papel de Pieter temos o eterno andróide de "Blade Runner", Rutger Hauer e Michael York no papel do colecionador de arte amigo do pintor. O filme ainda traz no elenco a ótima Charlotte Rampling, que serve de inspiração para a Virgem Maria.

Diferentemente de "Moça com Brinco de Pérola", outro belo filme inspirado em uma pintura, onde o diretor explora a relação do pintor com a retratada, "O Moinho e a Cruz" mostra com detalhes exatamente o momento e inspiração de Pieter para realizar o quadro épico.

Utilizando ótimos efeitos especiais em conjunto com belas locações na Áustria, Nova Zelândia e Polônia, Majewski conta a história do quadro através de uma minunciosa análise dos rituais e do contexto político que permeiavam a vida cotidiana flamenga do século XVI.

Com pouquíssimos diálogos, o quadro literalmente ganha vida neste belo filme, onde cada frame parece uma pintura. O diretor ainda utilizou um enorme pano de fundo pintado a mão para dar mais veracidade ao quadro em movimento. Visualmente arrebatador.

obs: Deve estrear por aqui em breve.





O HOMEM DE LONDRES

França/Alemanha/Hungria, 2007
Direção: Béla Tarr e Ágnes Hranitzky

Esta foi minha segunda experiência na filmografia de Béla Tarr. A primeira foi com o difícil "Almanaque de Outono", comentado anteriormente. Agora com "O Homem de Londres", começo a entender um pouco melhor a cabeça deste diretor tão aclamado.

Neste suspense que lembra a estética dos filmes de Hitchcock, Tarr nos presenteia com um suspense sensacional. No melhor estilo do gênero com direito a tudo que o engloba. Têmos então a fotografia um tanto escura, as locações sombrias, os personagens misteriosos e suas expressões marcantes e a música que preenche e enfatiza todo o climão.

"O Homem de Londres" trata da vida dupla. Pessismo, solidão, miséria e melancolia dão o tom da película na pele do protagonista, um trabalhador noturno que certa noite presencia um crime. Crime este causado por dinheiro. Nosso protagonista então acompanha todo o enlance e passada a tempestade encontra uma mala cheia de libras que foi o estopim do ocorrido. Esta dado o mote para todo o desenrolar da película.

Com o dinheiro em mãos, dá-se início o calvário do protagonista. Béla Tarr mostra com muita minúncia o conflito do homem com sua consciência. O dinheiro não lhe traz liberdade apesar de viver na miséria, pelo contrário. Seu casamento que já não ia bem, degringola. Ele não divide com ninguém a existência do dinheiro, tampouco usufrui do mesmo. Mas sua vida não melhora, ele parece carregar uma culpa imensurável, que é apresentada em cenas de pertubação crescente durante o decorrer do filme. A utópica busca da felicidade apenas agrava a miséria de seu estado.

Surge então o investigador. Personagem forte que começa a destrinchar o crime. Este interroga a mulher do criminoso e a questiona: Você sabia que seu marido levava uma vida dupla? Com uma dignidade avassaladora a mulher ouve tudo e contém bravamente o choro. Uma cena forte com uma atuação impecável da excelente atriz.

Esta cena ocorre na taverna onde o protagonista joga xadrez e toma sua aguardente com o dono do bar. Lá podemos ver outros frequentadores, sempre com expressões tristes e cansadas. Uma taverna que remete a uma Europa velha e exausta, assim como seus frequentadores.

Na taverna também ocorre o momento surreal do filme, momento que também aparece em "Almanaque de Outono". Cenas lúdicas parece ser uma característica do trabalho do diretor húngaro. Nela, os personagens que sempre apareciam tristes e cansados, aparecem dançando ao som da sanfona. Desta vez uma música mais alegre dá o tom, mas não menos melancólica. Um personagem dança com uma bola de sinunca no nariz, outro com uma cadeira nas mãos. Pode-se concluir que a pergunta de Tárr com esta cena é: Afinal, o que é a felicidade que as pessoas tanto buscam?

Felicidade e tristeza caminham lado a lado na busca de nossos sonhos. E no meio disto tudo têmos o dinheiro. A cena da compra do casaco de pele resume bem isso.

Um suspense psicológico como há tempos não via, com questões que Tarr trabalha muito bem. Noir com atuações soberbas, que envolve o espectador em sua misé-en-scène perfeita e que deixa a questão no ar: Afinal, o que é a felicidade que buscamos?





AMOR DEBAIXO D´ÁGUA

Japão/Alemanha, 2011
Direção: Shinji Imaoka

O que seria um "pink musical"? No caso desta bobajeira nipônica, trata-se de um musical trash erótico. O gênero é bastante popular no Japão onde é conhecido como "pinku eiga" ou seja, uma pornografia leve.

O filme conta a história de Asuka, mulher de 30 e poucos anos que está noiva de seu chefe. Um belo dia ela vê um "Kappa", criatura mitíca japonesa de forma humana porém com bico e casco de tartaruga. A criatura em si vem a ser um antigo colega de escola que era apaixonado por ela e que morreu afogado quando tinha 17 anos e que reencarnou em forma de Kappa.

Ele volta para salvá-la do Deus da morte, interpretado por uma figura cômica de vestido colorido com cigarro na boca.

O filme é trash total, desde o figurino as partes musicais medonhas. É tão ridículo que torna-se engraçado. Apesar de debochado ao extremo, proporciona um bom tanto de risadas.

Destaque para a pérola anal e para a luta de sumô entre Asuka e o Deus da Morte. Destaque também para a fotografia de Christopher Doyle, parceiro de Wong Kar Wai em filmes como "Amor a Flor da Pele" e "2046".

Um musical trash, erótico e mítico. Bobagem pura, mas engraçada.





ALMANAQUE DE OUTONO

Hungria, 1984
Direção: Béla Tarr

Béla Tarr é um cineasta cheio de simbologia. Considerado chato por muitos, compartilho da opinião de meu amigo de sessões Sr. José que diz: Ele não é chato, é difícil. E "Almanaque de Outono" é bem difícil, daqueles filmes que precisa um tempo a mais para poder tirar alguma conclusão.

Em um apartamento decadente, cinco personagens revelam seus segredos, desejos e obsessões. Hostilidade também faz parte do pacote, assim como a concepção visual da película com suas cores artificiais e os movimentos de câmera constantes e lentos que marcam o jogo de poder entre os personagens.

No filme as cores fundem-se para relacionar a densidade das cismas de seus personagens. Amarelo (riqueza), vermelho (desejos), verde (esperança) e azul (tranquilidade) predominam.

Um personagem é sempre acompanhado de outro nos planos, aqui, a solidão é abstrata. Existindo o diálogo, alguém se perde em um monólogo e a câmera reduz a dimensão da imagem, enfatizando somente uma face. O contrário também acontece.

Outra característica marcante da obra de Béla Tarr, são as cenas surreais que em algum momento irão aparecer. No caso de "Almanaque de Outono", tal cena foi guardada para o final.

Após matutar, conclui-se que é sim difícil, mas extremamente inteligente, verdadeiro e belo.



VERS MATHILDE


França, 2005
Direção: Claire Denis

Filmado em Super-8 e Super-16, Claire Denis retorna aos documentários mostrando a intimidade de Mathilde Monnier, importante coreógrafa francesa. Neste doc, Claire Denis filma com muita minúncia e sentimento a preparação e os ensaios do grupo de Mathilde para uma nova performance. Teorias sobre dança são debatidas e imagens de Mathilde ensaiando sozinha, mostram sua paixão por esta bela arte. Ela fala por exemplo sobre sua fascinação pelos movimentos dos braços.

A entrega total do corpo e sua integração e equilíbrio com a mente. A confiança cega ao parceiro e o espaço para o improviso. Ela comenta que não gosta de nada linear, certinho, pois desta maneira não consegue penetrar e ser espontânea.

Um belo registro visceral e orgânico do processo de criação de Mathilde. Um tanto específico sim, creio eu que até indispensável para quem tem o corpo como seu principal instrumento de trabalho, mas não deixa de ser interessante para quem ama a arte no seu todo, afinal, estão todas interligadas.





O VESTIDO À CERCEAU


França, 1992
Direção: Claire Denis

O curta de 24 minutos é um tanto maçante. A proprietária de um café esta prestes a fechar seu establecimento. Nele resta apenas um último cliente. Ela desliga o rádio e ele começa a ler um caderno contando experiências e passagens de sua vida. Trata-se de um monólogo do ator Jacques Nolot. Enquanto ele lê, a mulher presta atenção e não abre a boca durante todo o tempo.

Acredito que o curta seja o formato onde o cineasta pode e deve realizar experiências, mas neste, Claire Denis apenas filma um ator lendo. O texto é bonito, filosófico, mas para o espectador nada é acrescentado. Ainda bem que é um curta.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

BELLFLOWER

EUA, 2011
Direção: Evan Glodell

Dois amigos adoradores do filme "Mad Max" passam o dia construindo um lança chamas e um carro assassino inspirados no fime citado, com a desculpa de estarem preparados para quando o apocalipse chegar. Sem amarras com nada nem ninguém, querem viajar o mundo exibindo suas máquinas possantes.

Um belo dia um dos rapazes conhece uma moça que desperta nele uma paixão fulminante. Apesar dela alertá-lo que a relação pode não dar certo pois ela pode magoá-lo, o rapaz vai em frente e deixa as coisas tomarem um rumo onde a tragédia já havia sido anunciada.

O filme reserva momentos engraçados com uma linguagem jovem e uma fotografia amarelada, bem ao estilo de "Mad Max". Com o passar do tempo, o clima de comédia e romance cede espaço para um thriller psicológico nervoso, com suspense e muita violência ao estilo de Robie Zombie.

Traição, amor e ódio misturam-se na película que ganha muita tensão do meio para o fim. Estaria o rapaz em questão delirando? Tudo aquilo realmente aconteceu ou é tudo fruto de sua imaginação doentia em decorrência da decepção amorosa sofrida? O apocalipse não esperou, ele acontece neste exato momento na cabeça do personagem.

Para quem gosta do genêro é um prato cheio. Bom roteiro, atores interessantes, entre eles o próprio diretor que estreou na direção com este filme, uma trilha deliciosa e uma fotografia que encaixou perfeitamente na proposta. No mínimo instigante.





segunda-feira, 19 de setembro de 2011

EM UM MUNDO MELHOR

Dinamarca/Suécia, 2010
Direção: Susanne Bier


"Em Um Mundo Melhor" foi o vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano. Há tempos que o Oscar deixou de ser um Festival que realmente agrada quem ama e respira Cinema. Membros antigos, politicagem, tudo isso tornou o Festival ultrapassado e incoerente. A única coisa que restou foi o glamour em volta dele, nisso ele ainda é imbatível, mas suas escolhas ...
O filme conta a história de Anton e das crianças Christian e Elias. Anton é um médico que vive mais tempo fora do que em casa com a família, Elias é um de seus filhos. Talvez por causa disso ele esteja enfrentando a dor da separação. Anton trabalha como voluntário em um país africano dominado pela Guerra Civil. Sua ausência cria problemas para a formação de seus filhos, principalmente para o primogênito Elias que sente muita falta de sua presença.
O outro núcleo é formado por Christian e seu pai. Ao perder a mãe, vítima de câncer, Christian torna-se uma criança revoltada e de mal com o mundo. Culpa o pai pelo acontecido e o acusa de ter desistido de salvar sua mãe. Após a perda, ambos mudam para a Dinamarca onde Elias tem que enfrentar o cenário de uma nova escola, sempre um problema para crianças. Nesta escola conhece Elias, filho de Anton e logo tornam-se amigos. Elias sofre de bullying, assunto super em voga nos dias atuais e Christian chega para protegê-lo.
Ambos envolvem-se em confusões pois Christian não deixa barato a humilhação sofrida por Elias e lá vão os pais ausentes tentar entender o que acontece com seus filhos.
O roteiro é forçado, a direção ... Fraca. Realmente não entendo como foi o filme vencedor. "Biutiful" e "Dentes Caninos", outros concorrentes, são muito superiores, apesar de o melhor do ano na minha modesta opinião ser o lindo "Homens e Deuses" que sequer foi indicado.
"Em Um Mundo Melhor" é um filme politicamente correto, sem grandes inovações, aliás, nenhuma. Trata de assuntos da moda e é todo certinho e careta. Anton tenta enfiar na cabeça do filho que violência só gera violência. Ok, concordo, mas apanhar na frente dos filhos pequenos e dizer que aquilo é o certo, talvez não seja a melhor maneiras de educá-los. Não acho que Anton devesse revidar, mas se não quer confusão, não procure-a e muito menos leve os filhos para vê-lo ser humilhado, pois criança pequena realmente não irá entender. Pois é, a cara do Oscar. Não é horrível, mas esta longe de ter merecido o prêmio.
O Oscar nunca perderá sua pompa de Festival dos Festivais, mas se quiser ser respeitado por quem leva a sério a Sétima Arte, terá que rever seus conceitos.


BIUTIFUL

México/Espanha, 2010
Direção: Alejandro González Iñárritu

O rompimento com Guillermo Arriaga, roteirista de seus três primeiros filmes (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel) foi um divisor de águas na carreira de Iñárritu. Eu particularmente acreditava que Iñárritu não conseguiria mais apresentar o cinema vigoroso de seus filmes de outrora que fizeram tanto sucesso, grande parte em função dos excelentes roteiros de Arriaga. Felizmente eu estava errado.

"Biutiful" conta a história de Uxbal (Javier Bardem) que descobre ser portador de um câncer que irá lhe tirar a vida em pouco tempo. Com dois filhos pequenos e mulher bipolar, Uxbal vive de ajudar imigrantes chineses e africanos com suas falsificações e vendas consequentemente, através de acordos que ele consegue com a polícia local mediante uma comissão. Uxbal também detém a habilidade de comunicar-se com os mortos, porém esta sua faceta é pouco explorada, assim como a própria doença. O que importa no roteiro de Iñárritu é o que deverá ser feito a partir da descoberta da doença. O que deve ser feito para que ele possa partir em paz, tranquilizado e sabedor de que seus pequenos ficarão bem na sua ausência.

Mais uma vez Iñárritu mostra o mundo globalizado. Em "Babel" existem três ou quatro núcleos onde cada um deles apresenta uma história diferente em uma parte do mundo idem, agora com "Biutiful", Iñárritu mostra o preconceito e a vida dura de imigrantes que vivem na Espanha, mais precisamente na bela Barcelona. Ele mostra o lado sujo e cruel da cidade. O racismo e difiuldades que estes imigrantes sofrem em um território que não lhes pertence e que nunca poderão chamar de lar.

Uxbal possue um grande coração e acaba envolvendo-se emocionalmente com alguns destes imigrantes, mas se já não bastasse todo seu sofrimento, até quando ele quer ajudar e fazer o bem, o tiro sai pela culatra. O mundo é justo? Uxbal segue então seu caminho na tentativa de deixar um legado para seus filhos, mesmo que seja um amparo momentâneo para sua ausência eterna que esta cada vez mais iminente.

"Biutiful" recebeu a indicação de melhor filme estrangeiro pela Academia do Oscar e Bardem ganhou merecidamente o prêmio de melhor ator em Cannes pelo excelente trabalho. Aliás, sou suspeito para dissertar sobre minha admiração por este verdadeiro monstro da interpretação. Desde "Jamon Jamon", do longínquo ano de 1992 que acompanho sua carreira. Tá certo que no meio tem alguns blockbusters, mas afinal de contas, todos têmos que ganhar o pão de cada dia certo.

Belo filme de Iñárritu que mostrou que mesmo sem Arriaga, pode sim realizar um cinema de alta qualidade. Bela direção, roteiro, interpretação e a linda música de Gustavo Santaollalla.